sexta-feira, 30 de outubro de 2009

Poema

Às vezes tenho medo, muito medo.
Às vezes sofro.
Às vezes, penso nas pessoas que amo e penso na possibilidade de as perder.
Às vezes vejo alguém doente e fico incomodado.
Pode não ser um amigo ou familiar.
Posso estar a vê-lo pela primeira vez.
Mas fico incomodado.
Aquela doença pertence-me.

Todas as doenças pertencem a toda a gente.
Todos os sofrimentos pertencem a toda a gente.
Todas as mortes pertencem um pouco a toda a gente.
Às vezes sinto isso muito,
outras vezes sinto menos.
Quando sinto menos posso preocupar-me com o mundo,
brincar com a poesia,
com a filosofia e com as palavras.
Mas quando sinto, deixo de conseguir pensar.
Quando sofro ou sinto o que alguém sofre, deixo mesmo
de querer ser inteligente.
Deixo de querer parecer inteligente.
Se estivermos cheios a sentir, não temos espaço para pensar.
Não fazem sentido as lógicas,
as filosofias,
as discussões.
Todo o nosso corpo sente.
E o que resta? Nada.
Só exisre aquela morte, aquela doença, aquela velhice.
Só aquele pai que amo e está a envelhecer. Só aquela mãe
que amo e está a envelhecer.
Só aquele amigo que morreu num estúpido acidente.
Só aquele amigo que se tornou amargo porque a mulher o deixou.
Só o amor e a falta de amor.
As mulheres que nos enganam e as mulheres que são enganadas,
as mulheres e os homens que enganam.
Os amigos que deixam de o ser,
alguns inimigos que morrem, e temos pena.
Que importa o resto?
Onde está o livro importante?
O filme que resolve?
Podemos chorar à frente de um quadro, mas não resolve nada.
Podemos pintar um quadro, escrever um poema, mostrar
às mulheres bonitas como somos bonitos, exibir o nosso
corpo, mas que adianta?
Estamos sozinhos.
Se não estamos, vamos estar.
Os amigos vão-nos deixando, vão-nos deixar.
Vão morrer ou nós vamos morrer.
Ou então deixam de nos telefonar, ou então deixamos de lhes querer telefonar.
Estamos sozinhos. As pessoas que amo vão morrer.
Os livros não resolvem nada. A poesia é bonita e por vezes
descansa, acalma, mas não resolve nada, não resolve nada.
Somos artistas ou não somos, e qualquer coisa que seja não
adianta nada e nada impede.
Escrevemos poemas, mas não ajudam ninguém.
Escrevemos peças de teatro, sorrimos, tentamos pensar,
tentamos ter ideias, tentamos distrair as pessoas, tentamos
fazer pensar as pessoas, tentamos fazer chorar as pessoas,
e isso é bom, e até pode ser bonito, mas não adianta nada,
não resolve nada,
não adianta nada.

Gonçalo M. Tavares

quinta-feira, 29 de outubro de 2009

Shut up

Primeiro queremos mudar o mundo. Depois percebemos que isso não vai acontecer, mas ainda acreditamos que podemos fazer a diferença. Se vemos que as coisas estão erradas e como podem ficar melhores, devemos dizer, certo? Errado. Nem sempre. Às vezes é melhor calarmo-nos para evitarmos chatices. E quando pensamos que aprendemos a lição, damos por nós outra vez a falar demais. A dizer exactamente o que pensamos, a tentar corrigir o que não nos parece bem. Devia ser uma coisa boa, não devia? Errado, outra vez. Apenas mais chatices. E incompreensões. Mas como é possível que não vejam que temos razão? Não só é possível, como ainda somos mal interpretados. Ao fim de tanto tempo, ainda não aprendemos a não refilar com os disparates, a ignorar as incongruências, a deixar andar. Era mais inteligente. Tornava a vida mais fácil. E assim se desfaz o mito de que aprendemos com os nossos erros.

Um dia vou aprender a calar-me, juro que vou.

terça-feira, 13 de outubro de 2009

Por agora estamos assim

Não me tem apetecido escrever. Nem sei sobre o quê. Tudo me parece sem interesse (partindo do princípio que alguma coisa que aqui escreva terá interesse para alguém, incluindo eu própria). Por isso, por agora estamos assim. Dias mais inspirados virão. Ou não.