quarta-feira, 2 de julho de 2008

Um dia de cada vez


Deixa-se ficar muito tempo no chuveiro enquanto a água corre. Sob o barulho da água a correr, os seus soluços não se ouvem e as lágrimas confundem-se com as gotas de água. O seu corpo minúsculo e frágil treme, sacudido por uma dor que é maior do que ele. Se esperar o tempo suficiente, talvez a água leve consigo aquela dor que a atormenta, que a consome por dentro, que a faz sufocar. Por isso, deixa-se ficar muito tempo sob a água que corre.
Tudo é mais difícil agora, até os pequenos gestos têm um peso que não lhes conhecia. Levantar-se, arranjar-se, sair para trabalhar exigem um esforço sobre-humano. Concentra-se no objectivo de sobreviver ao dia, tão somente sobreviver. Procura na rotina das tarefas quotidianas o conforto e a segurança que lhe hão-de permitir chegar ao fim de mais um dia. E amanhã tudo se repete, um dia após o outro, na esperança de tudo voltar a ter sentido.

Entre si e o mundo parece existir uma distância intransponível, como se estivesse dentro de uma caixa hermética e transparente. Lá fora, os outros continuam com as suas vidas. Se estender a mão quase os pode tocar e, no entanto, é como se não a vissem e não a pudessem ouvir.
Os outros e as suas conversas. Sorri. Faz de conta que os ouve. O mundo lá fora não lhe interessa. A dor que a domina não deixa espaço para mais nada. Como é que eles podem não ver? Como podem ignorar o seu sofrimento? Sorri de novo. Se calhar, estamos todos fechados dentro dos nossos próprios sofrimentos. Nós e os outros, mundos que coexistem mas não se tocam. Cada qual a tentar sobreviver o melhor possível.
Quando foi que tudo mudou? Quando foi que a vida se lhe tornou tão pesada? Nem sabe dizer. Dentro dela algo se quebrou. Reza. Pede a Deus que lhe dê forças para sair do buraco negro em que se afunda. Luta desesperadamente contra os abismos que a atraem. As forças que a despedaçam são as mesmas que a mantêm viva. Se arrancasse do peito o mal que a destrói, estaria a arrancar a força que lhe permite continuar. Na vertigem do sofrimento tudo se confunde.

É porque não pode chorar mais, porque o corpo lhe pede descanso, que vai ter de encontrar uma forma de viver com o desgosto. Quando fechar a torneira e sair do banho estará pronta para enfrentar a vida de novo. De alma lavada. Será assim todos os dias até que da dor profunda que a alimenta nasça um novo sentido para a vida.

1 comentário:

Rita Silva Avelar disse...

Renascer...Não estaremos nós constantemente a fazê-lo?

Em alturas dificeis somos capazes de suscitar forças que nós próprios não sabiamos possuir. Enquanto isso não acontece, fingimos somente que está tudo bem, quando está tudo mal, aí a rotina é uma máscara útil. Depois que a tempestade passa, o mar acalma. Há alturas melhores, outras piores.

Sobrevivemos sempre, se acreditarmos na nossa força desconhecida, e se a fé (não interessa qual) ficar dentro de nós, em cada batalha diária.